Bora conversar um pouco sobre acessibilidade para pessoas com deficiência visual? Um tema muito presente na sociedade e, principalmente, no mercado de trabalho. Porém, infelizmente, ainda há muito o que se fazer e ajustar para tornar a realidade inclusiva para as pessoas com deficiência visual.
Por isso, neste artigo abordarei boas práticas de como trabalhar com uma pessoa cega em um time, com o objetivo de promover a inclusão plena e que seja uma experiência positiva tanto para a equipe quanto para a pessoa com deficiência. Então temos alguns tópicos fundamentais para esse mundo que se desdobra, por exemplo: capacitismo, audiodescrição, descrição de imagens, ferramentas acessíveis e outros aspectos.
Capacitismo
O termo capacitismo é relativamente novo e usado quando, em razão de uma deficiência, se inferioriza ou exclui uma pessoa em relação às demais. Surgiu nos Estados Unidos, em 1980, na época que iniciou-se os movimentos de busca por direitos para as pessoas com deficiência. Já no Brasil, essa definição começou a se popularizar na última década, visando combater atos preconceituosos e, principalmente, a exclusão.
Assim, devemos ter um certo cuidado, já que o capacitismo pode ocorrer de diversas formas, não se limitando em ações expressivas, como negando o direito de ir e vir, mas também se encontra na forma de expressões ou atitudes veladas que, no fim, significam a mesma coisa.
O ponto aqui é: ao colocar alguém num patamar abaixo e/ou acima por causa de alguma deficiência, você está sendo capacitista. Por isso, seguem algumas falas comuns que precisam ser extintas:
- “Estar mal das pernas”;
- “Nossa, nem parece que você é cego”;
- “Que mancada”;
- “Dar uma de João sem braço”;
- “Nossa, e eu aqui reclamando da vida”.
Com isso, é preciso tomar cuidado e pensar nas frases que são ditas independentemente se tem uma pessoa com deficiência na equipe. Pois, para construir um ambiente inclusivo se faz necessário primeiro se desconstruir e isso pode começar com o tipo de coisas que você costuma dizer, principalmente se tiver uma pessoa com deficiência no ambiente.
Autodescrição
Antes de comentar sobre esse tema específico, vale entender a diferença de audiodescrição e autodescrição:
- audiodescrição é o mecanismo de traduzir em palavras uma imagem ou ação que está acontecendo;
- autodescrição é fazer uma descrição de si (como cor de pele e cabelo, vestuário e plano de fundo).
Devo dizer que participei de reuniões em que as pessoas faziam suas autodescrições e ficavam CINCO minutos se descrevendo. De longe é uma boa prática, mas, no fim, a pessoa cega se perde no meio de tantas informações.
Por isso, aqui é necessário empregar o bom senso e, acima de tudo, a objetividade. Já que durante uma apresentação de meia hora, por exemplo, gastar a maior parte se descrevendo irá prejudicar a reunião e não vai ajudar na acessibilidade para pessoas com deficiência visual.
Dito isso, separei algumas dicas para uma autodescrição assertiva:
- quando for se autodescrever, faça em uma ou duas frases;
- fale os pontos essenciais e não faça um discurso sobre sua aparência;
- caso esteja num ambiente com outras pessoas, fale seu nome, pois a pessoa que estiver te ouvindo não consegue associar de imediato a voz com quem fala, então identifique-se algumas vezes (claro, sempre usando o bom senso);
- se estiver numa apresentação é de bom tom dizer o nome, o cargo que ocupa e, logo em seguida, fazer uma breve autodescrição.
Vale ressaltar nesse último ponto, a questão de se sentir confortável em se autodescrever. Talvez algumas pessoas não se sintam confortáveis em dizer a cor dos cabelos, dos olhos ou outro detalhe. Então fale aquilo que você julga relevante e, principalmente, o que te deixa à vontade.
Descrição de imagens
Eu, como cego, sei o quão significativo é saber sobre o que se trata um determinado gráfico. A descrição de uma imagem não é simplesmente sair despejando todas as informações visuais, pois detalhes em excesso não são uma boa prática, assim como na autodescrição.
Imagine uma fotografia de uma praia, na qual tem diversas pessoas, algumas estão no mar, outras sentadas debaixo de guarda-sóis e ainda tem aquelas que estão caminhando. Perceba que se fosse descrever cada elemento, poderia ficar minutos falando e isso não seria positivo para a pessoa com deficiência. Então qual seria a tal boa prática de uma descrição de imagem? Como tudo na vida, o equilíbrio aqui é o ideal a se empregar:
- deve-se considerar o contexto e o que deseja transmitir com o gráfico;
- ter objetividade ao falar dos elementos, usando-se da imparcialidade, comentando o que pretende passar de acordo com a situação;
- a dica de ouro é se perguntar: na falta da imagem, de qual forma representaria escrevendo ou falando? Por isso, tenha em mente os assuntos que você deseja ressaltar.
Por exemplo, assumindo o exemplo anterior do cenário da praia, é importante informar a quantidade de pessoas, a cor das suas vestes ou, inclusive, se estão no mar ou na areia? Tudo vai depender da sua intenção na hora da apresentação.
Em linhas gerais, descreva as imagens com o objetivo de incluir e possibilitar que a pessoa destinatária saiba do que se trata a figura, seja numa reunião profissional ou em outro ambiente. Infelizmente, os leitores de tela ainda não têm a capacidade de conseguir construir uma descrição precisa ou descobrir quais são os elementos relevantes.
Aqui vale ressaltar que essas dicas, autodescrição e descrição de imagem, também podem ser aplicadas no ambiente presencial.
Plataformas corporativas de comunicação
Quando eu entrei numa equipe, uma das perguntas que me chamou a atenção foi se o meu leitor de telas lia as mensagens em texto. E, mais de uma vez, fui questionado se preferia uma chamada de vídeo ou se poderiam me enviar mensagem. Pois a grande dúvida é: o leitor consegue ler mensagens em texto nas plataformas de comunicação corporativas?
Atualmente, na Zup e no Itaú, as duas plataformas corporativas de comunicação mais utilizadas são o Microsoft Teams e os serviços da Google. A boa notícia é que o leitor de tela é acessível, permitindo a pessoa cega interagir com seus colegas de trabalho sem barreiras significativas.
Por exemplo, numa chamada de vídeo do Google Meet ou do Teams, existem alguns atalhos de teclado que facilitam o uso. Além disso, o leitor consegue fazer a leitura do chat em texto e, sim, tanto no Google Meet como no Teams é possível realizar a leitura das mensagens, incluindo emojis, reações e até mesmo a agenda.
Contudo, caso envie uma foto, é preciso que faça a descrição, conforme dito nos tópicos anteriores. Enfim, algumas ações precisamos fazer vários atalhos e, do ponto de vista da usabilidade, não é tão agradável.
De qualquer forma, o importante é que conseguimos ter acesso às principais funcionalidades das plataformas. Por isso, não se preocupe em enviar mensagens de texto para pessoas cegas, pois elas têm acesso sem problemas nenhum.
Ferramentas de acessibilidade para deficientes visuais
As pessoas com deficiência visual, seja total ou não, precisam utilizar recursos visando o acesso ao computador e/ou smartphone. Cada sistema operacional possui diferentes ferramentas de acessibilidade e, por isso, é importante saber sobre os leitores de tela e como funcionam.
Até por uma questão de como auxiliar colegas de trabalho, porque, como utilizamos softwares leitores de tela, fazemos praticamente tudo através do teclado. Então dizer para clicar com o mouse no ícone que aparece uma ferramenta não ajuda em nada.
Antes disso, você sabe como funciona um leitor de tela? Esse é um programa que captura as informações apresentadas em texto e transforma em uma resposta falada, por meio de um sintetizador de voz. O programa executa essa função graças a sua interação com o sistema operacional do computador.
Em outras palavras, os leitores de tela conseguem identificar o texto apresentado na tela, não conseguindo reconhecer elementos gráficos. Por isso, se faz necessário a descrição de imagens, abordado no tópico anterior.
Como fazemos tudo por atalhos e via teclado, às vezes algumas ações demoramos mais para realizar. Por exemplo, quando se está programando na IDE IntelliJ, desejamos executar o código e ver o resultado no console, basta clicar em Run com o mouse que compila e aparece o console.
No nosso caso, que usamos leitores de tela, precisamos pressionar shift+alt+f10, depois teclar ctrl+e, após isso seta para esquerda, logo em seguida várias setas para baixo e, por fim, clicar no run e acessar o console com shift+tab.
Assim, com o leitor de tela podemos fazer praticamente tudo na máquina, mesmo que, às vezes, demoremos um pouco mais em relação às pessoas que usam o mouse. Isso precisa ser compreendido e não ser encarado como um problema, pois faz parte da inclusão plena aceitar as diferenças.
Então quando for ajudar uma pessoa cega, tenha consciência que ela não está enxergando a tela e precisa usar o teclado para fazer a leitura do que está sendo apresentado. Caso a orientação seja acessar um botão, por exemplo, informe o nome e o título da janela que está, em vez de dizer para clicar no botão que tem a figura X. Portanto, apresente o maior detalhamento possível, a fim de conseguir ajudar de fato.
Leitores de tela e sistemas operacionais
A título de conhecimento abaixo segue uma lista com o nome do sistema operacional e dos leitores de tela:
- Windows: neste ambiente, temos algumas opções de leitores de tela, como o NVDA, requerendo baixar e instalar; Jaws, um software pago e que precisa baixar; e Narrador, leitor nativo do próprio sistema, contudo é um software recente e apresenta pouco desempenho.
- Linux: de modo geral, no ambiente Linux temos a opção de utilizar o Orca, que além de leitor de tela também tem a função de um ampliador de telas, possibilitando à pessoa com deficiência visual a utilização de apenas um programa para tornar o sistema acessível. No entanto, nos últimos anos, apresentou enorme defasagem.
- iOS: no ecossistema Apple, dispomos do software VoiceOver, sendo encontrado em Iphone, Ipad , Apple TV e outros.
- Android: no ambiente Android, os dois principais leitores de tela são TalkBack e Jieshuo. A primeira opção já vem instalado nativamente em alguns aparelhos, facilitando a utilização.
Braille
Falamos muito sobre acessibilidade em um ambiente digital, mas não podemos esquecer da inclusão no campo físico, concorda? Aí que o braille aparece!
Em 1824, Louis Braille criou o sistema Braille, ele mesmo ficou cego após perder a visão aos cinco anos de idade num acidente. A partir dessa experiência e com a invenção de Charles Barbier de La Sarre – focada em mensagens cifradas, ele aperfeiçoou e adaptou o sistema para pessoas com deficiência visual.
A ferramenta é composta por uma célula de seis pontos divididos em duas colunas, formando 63 combinações diferentes, entre letras, números e símbolos especiais. O melhor é que pode ser aplicado em diversas línguas.
O Braille foi uma invenção revolucionária que favoreceu o desenvolvimento intelectual, profissional e social das pessoas cegas ou com baixa visão. Para ilustrar o impacto desse sistema aliado à tecnologia, duas pessoas com deficiência visual que trabalham aqui compartilham suas experiências:
Evandro Chequi:
“Em pouco tempo aprendi o Braille, que é a leitura e a escrita tátil, e foi de suma importância para o meu aprendizado na sala de aula regular.
Encontrei na tecnologia recursos que pudessem me auxiliar a, por exemplo, identificar cédulas, paradas de ônibus e outras mais. Este foi o maior motivador para que eu fizesse o curso de Analista de Sistemas.
Hoje, não faço tanto uso do Braille, mas foi uma grande ferramenta para chegar onde cheguei. E aqui deixo uma recomendação a todos que estão na área da tecnologia: nunca se esqueçam da acessibilidade, é muito importante para incluir todas as pessoas.”
Taís Sabacianskis:
“Muitos me perguntam se o Braille é muito difícil… A minha dificuldade foi igual a de todas as crianças na fase de alfabetização, já que meu colégio era exclusivo para deficientes visuais e o único método de ensino era o Braille.
Desde o curso de análise e programação, meu contato com a tecnologia sempre foi vital, tanto na vida pessoal quanto na profissional. Sempre me deparo com a extrema necessidade de acessibilidade na tecnologia. No melhor dos mundos, o exemplo de acessibilidade de Luís Braille e de José Álvares de Azevedo – que trouxe o sistema para o Brasil – deveriam ser praticados em todos os âmbitos… Só assim teríamos 100% de autonomia e independência!”
Boas práticas no ambiente presencial
Após termos falado sobre dicas no âmbito virtual, se torna também importante a título de conhecimento e, principalmente, de boas práticas, abordar como agir no espaço presencial.
Embora, aqui, não vou me focar em questões como estrutura, mobilidade geográfica, entre outros. Vou tentar transmitir boas práticas em relação ao comportamento. Então segue abaixo uma lista de como agir:
- quando for dirigir a palavra a pessoa cega, identifique-se;
- não faça perguntas do tipo: “Você sabe quem eu sou?”;
- se for ajudar a pessoa a ir a algum lugar, não agarre no braço ou saia puxando. Pergunte se ela prefere segurar no braço ou no ombro;
- não é uma ofensa caso sua ajuda seja negada, pois se a pessoa cega percebe que pode realizar a ação sozinha, deixe-a e não insista;
- quando estiver conversando e for sair de perto, avise, pois às vezes ficamos falando e a outra pessoa já saiu;
- Aplique as orientações dos tópicos anteriores numa reunião presencial.
Diversidade e Inclusão na Zup
Temos um time específico para criar ações visando a inclusão de pessoas diversas nos times, baseadas no pilar “Trabalhamos com ética, respeito e inclusão” da cultura da empresa.
Vale citar alguns projetos já realizados que impactaram na entrada, estada e evolução de pessoas cegas ou com baixa visão:
- produção de um guia de reuniões e eventos on-line acessíveis;
- elaboração de um guia de inclusão PCD;
- divulgação interna de uma trilha de inclusão PCD em formato de vídeo;
- incentivo aos grupos de afinidade, como a Guilda ZuPCD, um espaço para pessoas com deficiência trocarem experiências profissionais e pessoais;
- além de fomentar a contratação por meio do programa de formação de profissionais de tecnologia exclusivo para pessoas com deficiência, o Catalisa.
Falando nesse programa, conheça mais sobre o Catalisa no nosso podcast:
Conclusão
Para concluir, a principal boa prática de acessibilidade para pessoas com deficiência visual é perguntar como tornar o ambiente mais acessível. Cada ser humano é único e possui suas particularidades, na dúvida: questione, dialogue e veja o melhor caminho a se trilhar.
Com certeza, a experiência para todas pessoas será mais positiva e resultará numa evolução exponencial, pois, nós, pessoas cegas, queremos agregar valor e colaborar com nossas equipes. A evolução cultural e estrutural a nível de acessibilidade apenas colabora com esse objetivo.
Dessa forma, as ferramentas de trabalho necessitam dispor de recursos de acessibilidade; a equipe precisa manter a mente aberta e ter muita disposição para aprender novas metodologias; e, acima de tudo, praticar a empatia.
Tem alguma dúvida? Quer compartilhar sua experiência? Envie seu comentário abaixo!
*Colaboração e depoimentos de Evandro Chequi e Taís Sabacianskis.