Quando se tem contato com a literatura recente, assim como as práticas realizadas no mercado, tem se observado um interesse maior nas práticas de gestão de comportamento. Pensando nisso, aqui estão bons insights sobre motivação na Engenharia de Software para gerir sua equipe.
O objetivo deste artigo é trazer uma luz sobre a teoria da motivação no contexto de desenvolvimento de software. Com base nos principais estudos da área e a partir de trabalhos conceituados, de maneira menos densa, mas carregando os principais resultados para serem aplicados por você, leitor, na prática.
Contextualizando o assunto
Boa parte desse interesse em motivação tem sido suportado por duas premissas para a efetividade do trabalho: a primeira corresponde à necessidade de criação de ferramentas, que impulsionam um melhor clima organizacional, e a segunda é a ideia de que pessoas motivadas produzem mais.
A motivação em especial é um tema bastante debatido informal e formalmente em diversas indústrias, inclusive na de desenvolvimento de software.
Líderes desejam que suas equipes sejam as mais motivadas possíveis, mas eu gostaria que você refletisse sobre algumas questões que ouço muito:
- O que é motivação?
- Como eu posso alterá-la?
- O que a motivação das pessoas pode causar numa organização?
- A motivação das pessoas é um aspecto relevante para o sucesso de projetos?
- Será que é só dinheiro?
Tenho certeza que várias pessoas têm diferentes respostas sobre esses questionamentos. Assim como acredito que todas essas perguntas são relevantes quando queremos construir times de alta performance.
Pesquisas acadêmicas sobre motivação
A boa notícia é que essas perguntas fazem sentido não só para você, como também para times de pesquisa da academia. Por exemplo, eu tenho dois trabalhos que buscam entender como funciona a motivação no contexto open source / software livre. A pergunta principal dos trabalhos é: afinal, por que alguém trabalha de graça, em seu horário livre, feliz e alegre?
Para essas respostas você pode conferir estes dois artigos: Motivação de Engenheiros de Software no Contexto Open Source e Open Source: o que está por trás da motivação dos desenvolvedores?.
Você também pode esperar o próximo post do blog e te adianto um spoiler: mesmo nesses contextos, as pessoas buscam autopromoção também.
Outro pesquisador brasileiro com vários trabalhos na área é César França, que tem diversos estudos na área de Engenharia de Software sobre o tema. É com base na tese dele, defendida em 2014, e neste artigo que reúne os resultados da pesquisa, que iremos seguir nossa conversa.
O que é motivação?
De acordo com França (2009), a motivação é motivo de estudo desde o século XX, a partir do interesse de times de pesquisa sobre temas como teoria da aprendizagem. Contudo, o tema isoladamente começou a ser popular na década de 30 na psicologia e na administração.
Um ponto interessante levantado pelo autor que surge desde aquela época é a falta de uma definição universal sobre o que é motivação, embora exista uma infinidade de possíveis definições (BUENO, 2002; SALGADO, 2005).
Ao olharmos para o dicionário, motivação pode ser definida como:
“um conjunto de fatores, os quais agem entre si e determinam a conduta de um indivíduo“. (AURÉLIO, 2004)
“o ato de despertar interesse por algo, uma reunião de razões pelas quais alguém age de certa forma” (Dicio).
O que chama a atenção nessas duas definições é que motivação é “força” que faz com que o indivíduo aja de alguma forma em busca de algo.
Golembiewski (2005), comenta que a motivação é interna ao indivíduo, ou seja, depende das suas percepções e pode mudar de pessoa para pessoa, variando de acordo com o objetivo.
Portanto, pode diferir de acordo com o que se deseja buscar; apresenta intensidade, força e duração; e é capaz de determinar o comportamento.
Para Chiavenato (1999) a motivação é a vontade de exercer atividades com alto nível de esforço, de modo que pode ir ao encontro de objetivos organizacionais, satisfazendo também os objetivos individuais. Com isso, a motivação passa a depender de direção, força, comportamento, duração e persistência.
Motivação na Engenharia de Software
França et al. (2018) conduziu uma investigação com pessoas desenvolvedoras de diferentes contextos (pública x privada x grande x pequena) em busca de entender o significado de motivação.
Como resultado foi observado que a motivação pode ser caracterizada como um conjunto de forças internas e externas que levam profissionais desenvolvedores de software a terem foco e engajamento em suas tarefas.
Onde o foco pode ser interpretado como o nível de atenção que devs dão em suas atividades e o engajamento é expresso como o nível de esforço aplicado na tarefa. Portanto, alguém motivado no desenvolvimento de software deve ser uma pessoa focada e engajada nos seus objetivos.
Além disso, França et al. (2018) também apresenta quatro categorias: cuidado, comprometimento, trabalho duro e interesse, que ajudam a caracterizar pessoas motivadas a olharem para o foco e o engajamento.
Por exemplo, a falta de cuidado ocorre quando alguém está distraído com a tarefa e não está focado. Uma pessoa engajada com seu trabalho deveria também estar interessada nos resultados dele, assim como do trabalho como um todo; e também estaria “dando duro” (hard-working) em suas atividades.
Vale ressaltar que esses comportamentos podem ser observados antes e depois da execução de uma tarefa (FRANÇA et al. 2018).
Por fim, é esperado que nesta seção você perceba que existem diversas definições, inclusive, outras além das apresentadas que, em geral, falam de objetivos, esforço, força, fatores internos e externos dos indivíduos.
Neste artigo, nós iremos utilizar a definição proposta por França et al. (2020) por ela ter surgido de um contexto de desenvolvimento de software.
Teoria da motivação na Engenharia de Software
Primeiramente, é importante lembrar que existem diferentes perspectivas quando falamos de motivação. Este artigo não irá entrar em detalhes sobres essas perspectivas, mas basicamente essas perspectivas são complementares e dependem de como você está investigando a motivação.
Alguns exemplos são: a teoria da hierarquia das necessidades de Marslow, a teoria de expectativa de Victor Vroom, teoria dos dois fatores de Herzberg, e a teoria das características do trabalho de Hackman e Oldham. Para ter conhecimento geral sobre eles, você pode consultar este link sobre teorias motivacionais.
Dito isto, vamos nos concentrar em entender a principal teoria desenvolvida para a área de desenvolvimento de software: A teoria da motivação e satisfação do Engenheiro de Software (Theory of Motivation and Satisfaction of Software Engineers – TMS-SE) proposta por França et al. (2018).
A imagem abaixo apresenta a teoria, que foi construída a partir de um conjunto de entrevistas qualitativas em empresas públicas, privadas, grandes e pequenas do Brasil. Basicamente, os autores afirmam que existe um conjunto de características (fatores) do trabalho (work characteristics) que afetam a motivação (foco + engajamento) dos indivíduos.
Esses fatores ligados às características do trabalho são:
- a criatividade do trabalho
- a variabilidade da tarefa
- o trabalho desafiador
- a aquisição de conhecimento útil
- o impacto social da tarefa
- uma boa definição da tarefa a ser executada
- a sobrecarga cognitiva da tarefa.
Vou apresentar rapidamente os fatores a seguir, lembrando que todos eles dependem de como o indivíduo vai reagir a eles.
Criatividade do trabalho
A criatividade do trabalho é um dos principais fatores da motivação encontrados na pesquisa. Para os autores, indivíduos da Engenharia de Software têm a necessidade de realizar trabalhos criativos, como resolução de problemas, pesquisa e criação.
Os autores também comentam que a atividade de desenvolvimento de software é um trabalho intensivo em conhecimento, contudo nem todas as tarefas de um processo de desenvolvimento são consideradas atividades desafiadoras e criativas. O ponto é entender o que o indivíduo pensa sobre as atividades, pois essa percepção pode aumentar ou diminuir a motivação.
Variabilidade da tarefa
A variabilidade da tarefa é uma característica complexa que deve ser considerada no processo de desenvolvimento de software. Essa complexidade se dá porque é importante que profissionais da Engenharia de Software tenham contato com diferentes tarefas, domínios de negócio, regras e desafios para incentivar sua motivação.
Contudo, isso deve ser feito com muito cuidado porque ao variar, pode encontrar sobrecarga cognitiva. Por exemplo, ao se trabalhar na atividade de elicitação de um projeto de cartões e na parte de teste de um outro projeto de segurança, o indivíduo pode se sentir desmotivado devido às diferenças de contexto e as mudanças de atividades constantes.
Trabalho desafiador
Para os autores, o trabalho ou objetivos desafiadores só podem ter algum efeito positivo na motivação quando profissionais de desenvolvimento percebem que têm as habilidades, ferramentas necessárias para conseguir aprender o necessário e entregar ou são capazes de realizá-los. Do contrário, os indivíduos podem pensar que realizar a atividade é um desperdício de esforço.
Por exemplo, se eu desse uma semana para você construir um foguete para ir à lua, com os seus recursos atuais, provavelmente você se sentirá pouco capaz e colocaria pouco esforço nessa atividade.
Se eu te desse todo o recurso financeiro do mundo, isso poderia melhorar e seu esforço aumentar.
Se eu te desse todos os recursos e um ano, com certeza sua motivação aumentaria, pois é provável que com isso você se sinta mais capaz.
Como a percepção de desafio varia de pessoa para pessoa, os autores relatam que existiram alguns exemplos de participantes dizendo que testar é chato, enquanto outros se referem a testar como uma atividade desafiadora e criativa.
Portanto, a liderança deve considerar as características individuais de cada pessoa do time para maximizar a motivação de todo mundo.
Exemplo dentro da Zup
Um fator muito importante para a motivação é o que chamamos de autoeficácia na Zup.Edu. Nós estamos desenvolvendo ferramentas e métodos que buscam identificar problemas de percepção e calibrar a autoeficácia dos indivíduos, para que, de fato, acreditem que são capazes na medida que ampliam suas habilidades.
Conhecimento útil
Para os participantes, é muito importante estarem atualizados para aplicar novas tecnologias. Ter atividades que ajudem os indivíduos a adquirirem conhecimento útil é muito válido para aumentar a motivação.
Essa aquisição de conhecimento também pode ocorrer através de treinamento, ou trabalhando com diferentes pessoas, ou diferentes entidades (tecnologias, projetos, domínios de problemas, etc.). Isto é, a diversidade só tem a agregar.
Impacto social
De acordo com os autores, o impacto social é um forte fator no engajamento. Em todas as empresas investigadas, foi observado que a percepção de utilidade e o impacto social do produto que o público entrevistado tinha sobre o produto aumentava ou diminuía a sua motivação.
Além disso, quando desenvolviam soluções que seriam usadas por um grupo social do qual eles também participavam, se sentiam com mais motivação para participar das atividades.
Boa definição do trabalho
Os resultados da pesquisa mostraram que é imprescindível que se tenha procedimentos bem definidos, clareza nas necessidades de quem contrata o trabalho, requisitos bem definidos, funções e metas claras. Todos esses fatores influenciam na motivação dos indivíduos.
Sobrecarga cognitiva
Quando os indivíduos se sentem com sobrecarga cognitiva em suas tarefas, eles podem perder seu foco ou tem dificuldade de trocar de contexto, prejudicando assim, sua motivação. Caso você tenha interesse em entender mais sobre a teoria da carga cognitiva, eu sugiro que leia esse link.
Engajamento do time
Os autores comentam que quando os indivíduos percebem que colegas de trabalho estão com alto engajamento em suas atividades, eles também devem se engajar na deles, e, portanto, isso modera as relações das características do trabalho com o engajamento (uma das dimensões da motivação).
Individualidade
Já as características individuais, também moderam a relação das características do trabalho com o engajamento e com o foco.
Os autores não especificam quais características individuais são relevantes, pois não era o foco do estudo, mas sugerem que é possível que características como personalidade, experiência e habilidades influenciem nessas relações.
E a remuneração?
Um dos pontos interessantes dessa teoria é a relação com a remuneração. Para os autores, a remuneração atua na satisfação das pessoas e não na motivação, mas como a relação entre os dois fatores (motivação e satisfação) é cíclica, a remuneração pode afetar a motivação de maneira temporária e indireta.
Como usar a motivação a seu favor?
Por fim, os autores levam um conjunto de sugestões que podem ser utilizadas, as principais dicas são comentadas a seguir:
Engajamento do time
Lideranças devem identificar o que está prejudicando a motivação de devs, antes que isso se espalhe e prejudique a motivação de toda a equipe.
Outro ponto importante é identificar o indivíduo motivado e buscar que a motivação dele também seja passada para o resto da equipe.
Desafios na rotina
Lideranças devem ter cuidado com as atividades que passam para o time, elas não podem ser fáceis demais, nem difíceis demais. É muito importante que as lideranças tenham ciência da sensação de capacidade de cada membro do time para isso ocorrer bem.
Propósito
É muito importante que as lideranças tenham atenção na percepção do impacto social que seu time tem sobre a solução que estão desenvolvendo.
Isso pode ser complicado para projetos que estão em estágio inicial, sem versões sendo utilizadas por usuários. Por isso, pode ser um passo válido trazer a opinião do público sobre a solução e como foi o seu impacto para as reuniões.
Aquisição de conhecimento útil
Dar oportunidades para que as pessoas possam aprender é muito importante. Por exemplo, se você trabalha com software legado, pode valer a pena para a liderança proporcionar um ambiente com pessoas que podem aprender entre si, assim como organizar eventos de compartilhamento de conhecimento.
Clareza nos processos
Lideranças e organizações devem trabalhar para que não só as metas individuais e da empresa estejam claras para as pessoas, como também onde elas se encontram na carreira.
Outro ponto importante é a boa definição dos requisitos. Ter tarefas bem definidas é de suma importância. Se por algum motivo isso não ocorrer, é necessário pensar em maximizar as alternativas dos outros fatores apresentados.
Bônus: autoeficácia
Entender e calibrar a autoeficácia de cada membro da equipe pode ajudar a alocar melhor a tarefa de todo mundo, e assim, evitar problemas de motivação.
Conclusão
A partir do trabalho de França et al. (2018) foi possível entender um pouco mais de como funciona a motivação de profissionais de Engenharia de Software. É válido ressaltar que existem diferentes tipos de teorias da motivação e que elas são complementares.
A teoria comentada neste trabalho é a teoria da motivação e satisfação do Engenheiro de Software (Theory of Motivation and Satisfaction of Software Engineers – TMS-SE) que foi desenvolvida no contexto brasileiro.
A teoria apresenta um conjunto de características que podem impactar a motivação (foco e engajamento) de profissionais de desenvolvimento de software. Essas características são moderadas por fatores individuais e o engajamento da equipe.
Todas essas informações podem ser consultadas no artigo original (em inglês).
Continue estudando e conhecendo mais dicas sobre carreira no blog da Zup! Se ficou com alguma dúvida ou tem sugestões, aproveite para deixar um comentário.
Referências
Aurelio (2004), O mini dicionário da língua portuguesa. Quarta edição revista e ampliada. Rio de Janeiro.
BUENO, Marcos. As Teorias de Motivação Humana e sua Contribuição para a Empresa Humanizada: um tributo a Abraham Maslow. Revista do Centro de Ensino Superior de Catalão – CESUC – Ano IV 2002 nº 06 – 1º Semestre.
CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando pessoas: o passo decisivo para a administração participativa. São Paulo: Makron, 1999
FRANÇA, A. C. C. (2009). Um estudo sobre motivação em integrantes de equipes de desenvolvimento de software. Recife: Ed. Universitária da UFPE.
FRANÇA, C., Da Silva, F. Q., & Sharp, H. (2018). Motivation and satisfaction of software engineers. IEEE Transactions on Software Engineering, 46(2), 118-140.
GOLEMBIEWSKI, R. T. (2000). Handbook of organizational behavior, revised and expanded. CRC Press.
SALGADO, Léo. Motivação no Trabalho. Rio de Janeiro: Qualitymark 2005.