Há alguns anos celebramos o Abril Azul, onde dedicamos o mês para conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Por isso, pareceu uma boa oportunidade para contar como eu, mulher autista, entrei para a tecnologia. Curioso para conhecer minha trajetória e sobre como uma pessoa desenvolvedora com autismo programa? Então continue lendo!
O início: primeiros anos de vida escolar
Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que, muito possivelmente, se você entrasse em uma sala da segunda série em 2007 e perguntasse para cada criança o que ela ia ser quando crescesse, nenhuma criança diria “Eu quero ser desenvolvedor front-end” ou nenhum dos pais exigentes diria “Eu quero que minha filha se torne uma desenvolvedora de software de prestígio!”.
Se eu fosse uma das crianças eu responderia que queria ser duas coisas: professora e alta. Hoje em dia, eu não sou nenhuma dessas coisas, mas como eu vim a me tornar desenvolvedora? É complicado, ou melhor, é uma longa história.
Quando criança eu passava horas jogando e fazendo desenhos no paint, e uma das minha atividades favoritas era fazer bonecas de papel (feias) no paint. Eu sempre pensei “Seria muito legal se eu pudesse isso virar um jogo” e o mesmo se aplicava para os meus “jogos” feitos em apresentações de slides. Eu dificilmente brincava fora do meu quarto ou do computador.
Depois de alguns anos, eu decidi que deveria criar um blog de moda. Mas postar não era divertido, alterar o HTML do blog era. Nessa época, minha tia, que me via passar horas e horas no computador sugeriu que eu fizesse um curso de informática em uma escola em tempo integral. Eu, desesperada para nunca mais ver ninguém da minha escola antiga (onde eu sofria bullying por ser autista), aceitei na hora.
Ensino Médio Técnico: primeiro contato real com desenvolvimento
Muitas vezes quando se ouve ‘curso de informática’, é normal imaginar crianças aprendendo a digitar, fazer arquivos de texto e algumas lições de qualidade variável sobre segurança online, mas esse curso com certeza não era assim.
Logo no início tive meu primeiro contato com programação e, depois de alguns exercícios de lógica e de algumas iterações da famosa tabela verdade, minha primeira linguagem foi C.
Na época eu não considerava uma carreira na área de tecnologia e nem tinha muita dedicação com as aulas de programação. Provavelmente por causa das outras dezesseis matérias, minha dificuldade de socializar com outros alunos, minha dificuldade de interagir com professores e os meltdowns autistas que aconteciam mais de uma vez por semana.
Já no meu segundo ano do ensino médio, eu tinha um grupo legal de amigos que me ajudaram e ainda me ajudam muito. Além disso, as aulas de programação começaram a introduzir Java, que se mostrou, para mim, muito mais interessante.
De repente eu estava conversando sobre programação e ajudando amigos com atividades e trabalhos. A partir desse ponto, eu comecei a considerar seriamente me tornar uma programadora, mas a matéria que consolidou essa escolha ainda estava por vir: desenvolvimento web.
Desenvolvimento web me permitiu unir dois interesses: programação e fazer coisas bonitinhas. Quanto mais eu aprendia, mais controle sobre o que eu “desenhava” na tela eu tinha, daí para faculdade de Análise de Sistemas foi um pulo.
Faculdade: falta de diversidade na turma e muita autocobrança
Eu tive o privilégio de não só fazer uma faculdade que eu gostava na minha cidade natal, como cursar essa faculdade com alguns amigos do curso de informática (e eu acabei apresentando a Zup para todos eles!).
Mas nem tudo eram flores, bolhas e fadas. Afinal, a maior parte dos meus colegas de sala eram desconhecidos e mais velhos. Dizer que eu tinha escolhido o ramo por gostar de fazer coisas bonitinhas com código parecia idiota, já que quase todos eram homens e alguns expressavam opiniões bem tradicionais. Por isso, eu me esforcei pra ser a melhor aluna em todas as matérias e isso deu muito certo (até parar de dar certo).
No meu segundo semestre eu tive aula de cálculo com um professor que gostava muito de bater na mesa subitamente e com muita força, fazendo um barulho alto para chamar a atenção dos alunos. Um dia ele fez isso na minha turma e eu estava ocupada anotando algo em vez de estar olhando pra frente, não deu outra: em cinco minutos eu estava fora da sala hiperventilando e sem conseguir falar.
O autismo na minha experiência acadêmica
Até agora eu, intencionalmente, não falei sobre como o autismo mudou minha experiência acadêmica, mas a maior parte das pessoas não percebe que escolas e universidades:
- são barulhentas e tem muitas pessoas circulando;
- têm iluminação de qualidade questionável;
- regras que te impedem, por exemplo, de tirar 5 minutos toda vez que essas coisas começam a fazer você hiperventilar e se sentir desorientado, principalmente em provas.
Além disso, ainda há muita incompreensão de professores e outros alunos. Lembra que eu falei da minha dificuldade de socialização e do bullying lá em cima? Pois é.
Quando eu juntei essa experiência cheia de coisas que me incomodavam o tempo todo (como se, por exemplo, você estivesse usando uma roupa que pinica muito, todos os dias, o dia letivo inteiro) com a pressão de ser a melhor em tudo, eu acabei tendo uma piora significativa na minha saúde mental.
Eu não podia mais continuar dando o máximo do máximo em tudo e ignorar minhas necessidades, minha saúde e meus hobbies. Eu precisava de uma vida mais balanceada e por isso comecei a ver uma psicóloga semanalmente (zuppers usem o Telavita! Faz uma diferença gigante).
Assim eu passei a aceitar que não devia trabalhar para provar que eu era “uma menina autista, mas era muito inteligente, ok?” Não! Eu sou uma menina autista e inteligente em uma sociedade tão capacitista que a gente esquece que não existe esse “mas”, não é um “apesar de”, só “é”.
E isso vale não só para os autistas, ninguém precisa se esforçar para ser melhor “apesar de” e sim só aprender e evoluir.
Mercado de trabalho em tecnologia
Quando eu entrei na Zup, eu tinha medo de me deparar com os mesmos desafios que tive na faculdade. E se eu acabasse trabalhando muito pela aprovação de alguém que não importa, e não por mim?
Mas aqui eu encontrei um ambiente diferente, um ambiente que ainda tem uma jornada a percorrer quanto a diversidade, mas que é amigável (pelo menos por experiência própria). A Zup está cheia de pessoas que se dispõem a entender as diferenças e que tem me proporcionado muito aprendizado e crescimento.
Que continue assim!
Essa é a minha história. O que achou? Gostou do conteúdo sobre “Programando com uma pessoa desenvolvedora com autismo”?
Deixa nos comentários suas experiências também, seja como pessoa com autismo ou que convive com uma.
Quer conhecer outras histórias de profissionais de tecnologia com autismo? Então confira o podcast especial que fizemos sobre o tema: